Opinião: Brexit, as Oportunidades para o Brasil e a Questão da Imagem do Produto Brasileiro
O Reino Unido é dependente da importação de alimentos já há quase dois séculos. O país compra cerca de 30% do que consome em alimentos da União Europeia. Outros 11% vêm de países de fora do bloco. Londres e Bruxelas estão tentando negociar um acordo para que, uma vez efetivado o Brexit, o Reino Unido possa importar alimentos (e outros produtos) da UE “sem atritos”.
Alcançar esse objetivo, porém, parece cada vez mais improvável. Na ausência de um acordo, a tarifa média sobre alimentos importados da UE para o mercado britânico aumentará em 22%. E, mesmo que se chegue a um acordo, alimentos importados da UE estarão provavelmente sujeitos, no Reino Unido, a tarifas, cotas e barreiras não tarifárias.
Com ou sem acordo, portanto, o Reino Unido, após o Brexit, estará aberto a diversificar suas importações de bens agrícolas e alimentícios em geral. Daí advêm oportunidades para produtores e exportadores brasileiros. Mas será preciso superar desafios de imagem.
Quando se trata de alimentação, os britânicos, como os americanos, são geralmente percebidos, na Europa, como “diferentes”. A dieta dos britânicos diverge significativamente da de seus vizinhos europeus. Primeiro, os britânicos comem rápido – gastam, por dia, metade do tempo dos franceses. Segundo, comem fora. Antes da pandemia de Covid-19, um quarto das calorias consumidas no Reino Unido era consumida em restaurantes, pubs, cafés ou takeaway. Por fim, quando comem em casa, os britânicos, tradicionalmente, não costumam gastar muito dinheiro. Os gastos com alimentação em casa correspondem, em média, a 8% das despesas totais dos consumidores no Reino Unido – a menor proporção registrada na Europa.
Com a pandemia e as medidas de distanciamento social, 2020 tem sido um ano de redefinição dos hábitos alimentares dos britânicos. Famílias começam a apreciar as vantagens do convívio ao fazerem refeições em casa. Alguns descobrem uma paixão pela culinária. De acordo com recente pesquisa, 46% dos adultos no Reino Unido dizem que, a partir de agora, em lugar de sair para um restaurante, optarão por convidar familiares e amigos para comer em casa. O sucesso de programas de televisão como o MasterChef está contribuindo para que muitos britânicos queiram aprender a cozinhar. As famílias gastam cada vez mais com ingredientes de qualidade, em vez de pagar por refeições já prontas.
Essa tendência acentua-se com a emergência de uma geração de jovens consumidores preocupados com a saúde, ecologicamente conscientes e conectados com as mídias sociais. Apesar de tidos como mais consumistas que seus pais, os britânicos nascidos entre 1980 e 2000 são percebidos como mais antenados com o mundo e mais sensíveis a temas de apelo social, preferindo comprar produtos de fontes eticamente confiáveis e culturalmente autênticas. Estima-se que 86% dos indivíduos nessa geração se recusam a comprar produtos embalados em plásticos e outros materiais fabricados à base de combustível fóssil. Três entre quatro se disporiam a pagar mais por produtos com credenciais ambientais.
Os varejistas britânicos adaptam-se rapidamente. Exercem crescente pressão sobre os fornecedores para que comprovem que seus produtos atendem a requisitos ambientais. Ao mesmo tempo, promovem o caráter de “autenticidade local” do que põem à venda. O mercado varejista no Reino Unido é altamente concentrado, além de extremamente competitivo e reativo às preferências do consumidor. No Reino Unido, dez supermercados respondem por 97% do varejo de alimentos. Apenas as redes Tesco, Sainsbury’s e Asda abastecem 56% do mercado. Sendo assim – e dado que a pandemia atingiu o setor de hotelaria, aí incluídos os serviços de alimentação, em intensidade sem precedentes –, os varejistas praticamente monopolizam o fornecimento de alimentos ao consumidor final.
É nesse cenário que, recentemente, reagindo a manifestações de ONGs e a preocupações de segmentos da sociedade com desmatamento na Amazônia, diferentes varejistas britânicos ameaçaram boicotar produtos brasileiros. Mas, ainda que produtores no Reino Unido façam questão de opor restrições a métodos de produção no Brasil em setores nos quais têm seu próprio interesse comercial, foi outra a razão que levou os varejistas a chegar ao ponto de fazer a ameaça do boicote.
É forte, na cultura britânica, a influência de ONGs e outras entidades que se engajam em campanhas de alcance público. Em 2019, 64% dos britânicos fizeram doações a alguma instituição do gênero, sendo que um terço da população regularmente faz trabalho voluntário em uma delas. Calcula-se que R$13,4 bilhões são doados por ano a essas instituições apenas por londrinos. Um quarto de todas as doações iriam para instituições dedicadas ao bem-estar animal. Ora, os varejistas entendem que, por trás de cada um desses doadores, há um consumidor. E o que fazem é atentar – e reagir – às campanhas que mobilizam esse consumidor. Por aí se compreende a ameaça de boicote.
É certo que isso reflete uma situação de imagem do produto brasileiro que está longe do ideal. Mas é igualmente certo que a demanda no Reino Unido por alimentos importados permanecerá elevada. Caberá aos produtores e exportadores no Brasil utilizar ferramentas inovadoras para demonstrar que, sim, cumprem com padrões de sustentabilidade. Essas ferramentas estão disponíveis.
Exemplo emblemático é o dos produtores de manga em Jaíba, em Minas Gerais. Lá, os produtores uniram-se para criar sistema de rotulagem que permite aos consumidores britânicos escanear a etiqueta da fruta e, a partir daí, manter relação virtual com o produtor. Assim, podem descobrir que nível de proteção ambiental se observa na fazenda de origem de cada fruta.
Para superar as distorções de imagem e aproveitar ao máximo as oportunidades oferecidas pela saída do Reino Unido da UE, iniciativas que liguem os produtores diretamente aos consumidores são o caminho a seguir.